sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

dezembro 08, 2017

UMA LIÇÃO PARA 2018: O SETOR DE TRANSPORTES TEM DE BOTAR A BOCA NO TROMBONE SEM MEDO

Em todos os casos em que os operadores falaram com a sociedade e não repudiaram a imprensa, no mínimo, houve um equilíbrio de versões
ADAMO BAZANI

O ano de 2017 foi um dos mais emblemáticos no setor de transportes de passageiros e pode ser considerado um divisor sim de águas.
Foram várias lições que não podem ser desperdiçadas, entre as quais: por mais que economia e política andem juntas, é possível uma não ser tão dependente da outra. Também outra lição: com cautela e dentro das condições, é na crise que se deve investir. Afinal, quando a situação começa a melhorar, quem investiu, vai sair na frente e este “nariz” de vantagem é fundamental num setor cada vez mais competitivo. Hoje o ônibus sofre concorrência de diversos setores: das motos, cujos valores das prestações às vezes são mais baixos do que uma pessoa gasta com passagens por mês; do transporte clandestino (ainda muito comum no País); do carro que ainda recebe mais investimentos na mobilidade que o ônibus e, agora, mais recentemente, do Uber. A frase “vamos rachar um Uber” por um grupo de pessoas, às vezes poder ser traduzida como “Não vamos de ônibus hoje não”.
É claro que os transportes coletivos têm uma desvantagem muito grande: diferentemente de motos, carros e de aplicativos, a regulamentação e as amarras são tão grandes que fica mesmo difícil competir.
Mas se o empresário de ônibus continuar só com a postura de reclamar para seu colega de negócios e esperar algo dos governos, a situação só tende a piorar.
Uma das lições, entretanto, que considero mais importantes para 2018 é: o setor de transportes tem de colocar a boca no trombone e não apanhar mais quieto.
Diante de fatos nacionais ou locais, quando associações levaram a público o que acontece, muita coisa mudou para o bem de todos (em especial do passageiro) ou, ao menos, as versões se equilibraram.
Como jornalista de transportes, cito muito rapidamente alguns exemplos.
A NTU, ao protagonizar discussões como o peso dos custos operacionais de ônibus, o financiamento de gratuidades e a perda de demanda no transporte público, consegue atingir parte da sociedade que antes só tinha as “versões oficiais dos governos” ou as irresponsáveis de pessoas que mal intencionadas usam clichês como “máfias dos transportes” e “caixas pretas”, que, se acontecem mesmo, é numa pequena parte entre maus empresários, assim como existem maus trabalhadores, maus jornalistas e até maus lideres religiosos que falam de ônibus.
A despeito de toda a situação das investigações criminais sobre os transportes no Rio de Janeiro, o Rio Ônibus começou a criar um diálogo sobre questões como congelamentos irresponsáveis de tarifas, concorrência com as vans e necessidade de melhor gestão pública na reformulação das linhas. Foram chamados jornalistas, distribuídas notas, cartas abertas à população e reuniões com influenciadores digitais e blogueiros, inclusive busólogos – que adoram ônibus. Hoje, a sociedade começa a ponderar e até o irredutível prefeito Marcelo Crivella, se reuniu com os empresários em dezembro.
Em Curitiba, desde o ano passado, o Setransp, sindicato que reúne as companhias de ônibus, começou também a trabalhar com a opinião pública e mostrar questões como defasagem de tarifa técnica, possíveis erros de dimensionamento de demanda pela gestora local Urbs. Quando Rafael Greca assumiu a prefeitura, as discussões já tinham sido colocadas. Depois de três anos sem novos ônibus, hoje o sistema já anuncia um cronograma de renovações, além de outros investimentos.
Na Capital Paulista, o SPUrbanuss, sempre atende aos jornalistas e conseguiu explicar para a imprensa, por exemplo, que os bilionários subsídios na cidade são para o sistema de transportes e não para as empresas de ônibus. A atuação do sindicato poderia ser melhor ainda se seus membros colaborassem mais, inclusive.
O empresário reclama, e com razão, que é vítima de preconceito por parte dos jornalistas, que já vem com uma imagem pré-concebida na sociedade que “dono de empresa de ônibus é bandido”.
Mas o setor também tem preconceito com jornalistas e pensa que os profissionais são “os abutres” que querem atacar com a caneta.
Esta visão mútua está mudando, mas ainda tem muito caminho pela frente.
Com todo respeito e, parafeseando Chico Buarque, mas os empresários de ônibus têm de deixar de ser a “Geni” dos transportes.
E o importante é ser transparente e sincero.
Não adianta só investir em bonitas campanhas, com foto de gente sorrindo de orelha a orelha, sendo que na verdade ninguém está feliz no ônibus: nem trabalhadores, nem empresários e muito menos quem sustenta trabalhadores, governos e empresários: o passageiro, o tal “cliente dos transportes”. Soa até falso.
Claro, campanhas são legais e é bom investir nelas, mas vamos também falar de problemas, para resolvê-los.
Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes, editor do site Diário do Transporte   

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